O que é Literatura?

Maurem e Rafael,

o que vocês escreveram tem muito a ver com as teorias que circulam em torno da Literatura e dos estudos que tentam traçar um perfil dessa senhora.

Quando você diz, Maurem, que a

literatura é uma interpretação pessoal (do autor) do mundo. Elaborada com base na sua visão, convicções estéticas e anseia por comunicar-se com um interlocutor, talvez, indefinido

eu concordo. Mas, tem outra questão aqui. Ao mesmo tempo em que aquilo que um autor propõe um texto como literatura, ele precisa de um público que aceite aquilo como literatura. Ao escrever, o autor tem o seu leitor ideal, para quem ele escreve, mas é com o leitor real que as coisas ocupam os seus lugares. Além do texto, o elementos não-textuais, também, definem o que é a literatura. Aliás, há um contexto no qual os textos se consagram como texto de literatura.

Eu vou deixar aqui uma palestra do Jorge Coli, em que ele fala sobre arte em geral, mas o que ele fala da arte em geral tem aplicações muito interessantes nas específicas, como a literatura.

A Espiritualidade da Arte - Jorge Coli

E você, Rafael, quando amplia o espectro do que a literatura abrange, você se coloca muito próximo da perspectiva dos estudos da narrativa. Esses estudos tendem a afirmar que nós, seres humanos, só compreendemos o mundo quando o organizamos numa sequência lógica de causa e efeito, a narrativa. Tem um pensador que me interessa muito e que faz reflexões dessa ordem, que é o Paul Ricoeur. Tem um livro dele que estou louco pra comprar chamado Tempo e Narrativa em que ele desenvolve esse raciocínio. Mas, não só isso; boa parte dos cursos americanos de escrita criativa trabalham com o conceito de narratologia, pautado nas teorias estruturalistas.

E José Geraldo, esse uso da palavra literatura ainda existe aqui, mas nesse caso, a palavra está significando conjunto de textos pertencentes à determinada área de estudo. Por exemplo, literatura médica. No caso do alemão, talvez, ela esteja no lugar de referências bibliográficas.

Abraços!

Muito bacana isso, Maurem.

O Maurice Blanchot fala uma coisa interessante, mas que pouca gente dá atenção. O escritor enquanto criador/autor não é leitor. Para ser leitor, ele precisa assumir uma outra posição, despir-se da necessidade de mudar o texto. Eu o parafraseei.

No fundo, isso quer dizer duas coisas: não dá pra "atingir" o autor com cabeça de leitor e nem o leitor com a cabeça de autor. São duas posições distintas e que exigem trabalhos diferentes.

É mais ou menos como no Alice no País dos Espelhos: de um lado é o país do leitor (fora do espelho), em que tudo funciona da forma previamente conhecida; do outro lado (dentro do espelho), as coisas funcionam de acordo com a cabeça que estiver criando. Quer dizer, para criar um livro, um texto literário, você pode partir de qualquer fonte, de qualquer ponto e isso será sempre parte do processo criativo do escritor. Mas, para ler, você sempre vai partir do livro. E muitas vezes, as leituras não coincidem: aquilo que o autor queria que o leitor visse é diferente daquilo que o autor viu. E aí começa a confusão dos vestibulares, que não vale a pena abordar aqui.

E com isso, nós voltamos ao que você falava. O autor escreve pra alguém (seria legal ler algo de Mikhail Bakhtin). E, em grande parte das vezes, ele não sabe para quem escreve. Eu penso que todo romance, conto, poesia é uma pergunta lançada ao leitor, pelo autor. Uma pergunta que o autor não sabe qual é. Ela joga essa rede para pescar alguma coisa no mar revoltoso que é a mente do leitor. O autor busca saber algo de si mesmo que esse outro (leitor) vê ou tem a habilidade de ver, mas ele não. Eu achava muito interessante quando, ainda no Orkut, eu comentava os contos postados lá e alguém dizia: nossa, você me fez perceber uma coisa que eu ainda não tinha percebido. No fim das contas, penso que a relação entre todo artista e seu público é uma relação de perguntas e respostas.

Abraços!

Aí é que está, Rafael, respostas existem. Elas sempre existem. Mas, nem sempre elas serão ditas ou chegarão ao ouvido do perguntador. É um jogo de regras desconhecidas, ainda.

Achei o livro: Estética da Criação Verbal.

O trecho específico é "Os Gêneros do Discurso".